BOM DIA (?)

BOM DIA (?)


Era uma quarta-feira ensolarada. 7:47 da manhã. Aliviada, uma mulher passou por nós e disse: “Ainda bem que vocês estão aí. Fiquei com medo!”. (uma colega de trabalho estava junto na parada à espera do ônibus).
 Essa declaração me deixou indignado pelo profundo grau de preconceito. Um homem preto sentado no cordão da calçada na esquina. Ele esperava os colegas para iniciar o serviço, no calçamento da rua ao lado da minha casa. O homem nem sabe, e talvez se eu não estivesse ali, ninguém pensaria na frase. Para quem acha que não existe racismo no mundo essas situações são tapas na cara.


Em texto da Agência Senado, a advogada Flávia Pinto Ribeiro, que é vice-presidente da Comissão OAB Mulher da seccional Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, exemplificou, “As pessoas são racistas quando não ficam espantadas ou indignadas diante da notícia do assassinato de uma pessoa negra, diante da ausência de negros nos governos, nos tribunais e na direção de empresas, diante de um Estado que oferece transporte de qualidade, saneamento básico e segurança pública aos bairros ricos, mas nada disso às periferias, habitadas majoritariamente por negros. O racismo estrutural é cruel”.

Precisamos falar sobre isso. Me senti no compromisso de compartilhar a experiência, como forma de reflexão. O senso comum tende a compreender o racismo de maneira simplista, o preconceito também se manifesta de formas que podem ser menos gritantes, mas produzir efeitos devastadores na vida da pessoa negra. 
 
A mulher, uma senhora de cerca de 60 anos, branca, bem vestida, provavelmente estava indo trabalhar. O homem, cerca de 30 anos, não tenho certeza, estava com uniforme razoavelmente sujo, traços africanos marcantes, barba por fazer. Confesso que neste parágrafo é impossível encontrar alguma característica para definir alguém como um malfeitor, ladrão ou bandido. 


 Ser preconceituoso, não é apenas chamar algum de nego, negão, neguinha, macaco(a), preto(a), ou quaisquer outros termos pejorativos que remetem à cor da pele, raça ou etnia. É ter medo de alguém por ela ser preta. É achar que alguém é ladrão por ser preto. O sonho utópico do fim do racismo está relacionado a compreensão de atos racistas em menor escala como um comportamento amplo e coletivo.

Ser mais pobre, ter menos acesso à escola, receber salário menor, ter menos oportunidades, dificilmente chegar a cargos de chefia no poder público, postos de poder na iniciativa privada, ter menos acesso aos serviços de saúde, ter números alarmantes nos índices da violência urbana, ter mais chances de ir para a prisão do que brancos, morrer mais cedo. Segundo as estatísticas com base no IBGE, tudo isso é ser negro no Brasil. Por boa parte da sociedade esse é o lugar do negro, e não é justo tirar da população branca e dar a população negra. 

Oscar M. S. Van Riel

Jornalista