O espaço político também é feminino e transvestigênere

O espaço político também é feminino e transvestigênere

Paulatinamente, as mulheres, as pessoas negras e indígenas, as pessoas transvestigêneres, a comunidade LGBTQIA+ em geral, vão tornando a política nacional menos masculina, branca, cis e heternormativa. Afinal, esse ainda é o estigma da política brasileira, embora não haja ausência de interesse por parte da diversidade em alterar esse cenário. No ano de 2020, o Brasil, o país com mais assassinatos de pessoas trans no mundo, segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), teve recorde de candidaturas trans, com mais de 270 candidaturas, sendo o triplo de 2016, quando 89 transexuais se candidataram aos cargos de prefeito(a) e vereador(a). Ainda conforme a Antra, 30 dessas pessoas foram eleitas em 2020, um panorama também diferente de 2016, quando apenas oito chegaram às câmaras municipais.

No Rio Grande do Sul, pela primeira vez, as cidades de São Borja, de Rio Grande e de Entre-Ijuís elegeram mulheres trans para ocupar o poder legislativo municipal. Na Terra dos Presidentes, São Borja, ocupa o cargo de única mulher eleita em 2020, a vereadora Lins Robalo da Mandata Popular (PT). Na cidade mais antiga do Estado, Rio Grande, atua a vereadora Regininha (PT); e na cidade conhecida como "Portão das Missões", Entre-Ijuís, ocupa uma cadeira no legislativo, a vereadora Yasmin Prestes (MDB).

São conquistas angariadas por nós, mulheres, transexuais, transvestigênere, não-normativas, através de muita luta. Ser mulher e transgênero no Brasil é carregar variados estigmas que são impostos para esses corpos, entre eles a incompetência, uma vez que o estereótipo sobreposto à política é de que apenas homens brancos e cisgêneros sabem administrá-la – embora a conjuntura atual demonstre o contrário. De qualquer forma, nos últimos quatro anos, segundo dados do Superior Tribunal Federal (STF), o número de candidaturas e eleições femininas tem aumentado. Por exemplo, em 2020, 665 mulheres foram eleitas prefeitas no Brasil, o que é um aumento significativo comparado às 636 mulheres eleitas em 2016. Entretanto, os dados também demonstram que é um avanço lento, afinal, ao passo que há 665 mulheres atuando nas prefeituras do Brasil, há 4.838 homens nesses mesmos cargos, no restante das cidades nacionais.

É um demonstrativo desigual da nossa capacidade de atuar nos diferentes âmbitos, nacional, estadual e municipal, porém, seguimos motivadas para alterar, pouco a pouco, esse cenário. Além da dificuldade de sermos inseridas na política, ainda há conflitos que impedem que exerçamos o que democraticamente conquistamos. No ano passado, foi sancionada a lei 14.192 que considera crime eleitoral ações que impeçam a prática mandatária de mulheres eleitas. Em São Borja, Lins Robalo, já sofreu ataques, não apenas por ser mulher, mas também por ser uma mulher trans negra eleita em uma cidade que ainda é pautada pelo conservadorismo. A dimensão racial também deve ser considerada em se tratando de violência política. Das parlamentares trans vitimadas politicamente, a maioria são negras, travestis, de origem periférica e de esquerda. No Estado do Rio Grande do Sul, das três pessoas trans eleitas, apenas uma é declarada negra.

Em relação a pessoas indígenas, contamos com menos de 10 parlamentares em atuação no estado – segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral do RS (TSE-RS). A perspectiva da interseccionalidade nos ajuda a compreender a forma como raça e gênero, bem como outros marcadores sociais e territoriais, se aglutinam e se conjugam nas estruturas de opressão vigentes na sociedade brasileira. Discutir o avanço de mulheres, em suas diversidades, na política, é discutir a ocupação dos espaços institucionais pelas condições de vida em sua pluralidade.

É avaliar a governança e os processos decisórios na dimensão dos corpos e pautas que vivem e representam aquilo que diverge da norma masculina, cisgênera, heterossexual, diádica, dos grandes centros urbanos e sem deficiências. Encerramos afirmando que o futuro da política está nas mãos, nos caminhar e no fazer das mulheres. A política, enquanto instância de decisão da vida, saberá governar para todos quando quem vive as realidades plurais estiverem nela. Por todos, por todas e por todes.

Rayssa Mambach
Rafa Ella Brites
Lins Roballo
Mandata da Vereadora Lins Roballo Vereadora - PT/RS